Por Patrícia Palermo*
O ano de 2020 começou de uma forma bastante otimista. No cenário internacional, os primeiros sinais de que a guerra comercial entre China e EUA daria uma trégua, na Europa um Brexit sem maiores traumas, na América Latina um arrefecimento dos protestos que incendiaram as ruas em 2019. É falso dizer, no entanto, que não existia incerteza no radar. A eleição americana prometia um “extra” de instabilidade ao calendário convencional. Mas os medos de uma recessão mundial que já vinha sendo proclamada a algum tempo parecia ter dado espaço para um respiro de alívio do tipo “por enquanto ainda não”. Muitas estimativas no início de 2020 apontavam para um crescimento mundial no ano corrente superior ao de 2019, com uma retomada mais intensa do comércio internacional. No Brasil, o cenário era ainda mais positivo. O ano de 2020 era o ano do “agora vai!”. O temor era inclusive que essa narrativa colocasse menos pressa na aprovação de reformas (sempre necessárias, sempre urgentes), fundamentais para um crescimento mais duradouro. Mas até isso, parecia estar sob controle. Foram inúmeros os acenos do legislativo apontando que a pauta das reformas não seria esquecida, ainda que o por ora costumeiro estado de tensão entre os poderes fizesse, vez que outra, o compromisso com a responsabilidade fiscal ser conveniente (e eleitoralmente) abandonado. Mas tudo isso, não mais do que de repente, deixou de ser o cenário vigente. E nessa altura do campeonato, parece fazer parte de um passado do qual temos uma vaga lembrança.
A crise do coronavírus começou a mostrar seus primeiros sinais nos meses de janeiro e fevereiro. Por aqui, o que se percebia era um choque de oferta, bastante localizado em alguns setores industriais que, dependentes de componentes ou de matérias-primas produzidas na região chinesa afetada pelo covid-19 (e pelas medidas de distanciamento social), já tinham suas linhas de produção afetadas. Havia também sinais de um choque de demanda (mas nem de perto parecido com o que viria na sequência). Com uma parte da sua economia parada, a China passou a demandar menos produtos brasileiros, com reflexos nas quantidades e nos preços praticados, que apenas não tiveram efeito maior porque a taxa de câmbio real/dólar perdia valor. No início de março, a covid-19 era para os brasileiros em geral uma notícia que passava na TV e que interessava apenas a quem viajava ao exterior. Não poderia haver engano maior… Com o aparecimento dos primeiros casos no país, o medo de uma sobrecarga do sistema de saúde (público e privado) e todas as consequências derivadas disso, houve um avanço das ações dos governos estaduais e municipais na tentativa redução de aglomerações que afetaram profundamente a atividade produtiva. As medidas de distanciamento social promoveram uma diminuição drástica da movimentação das pessoas, e com isso uma queda profunda da demanda. Em vários lugares do país, o comércio não essencial está fechado e há limitações no funcionamento de outras atividades, com reflexos não apenas nas receitas dessas empresas como também na arrecadação de tributos. Em alguns segmentos do comércio e dos serviços, as vendas simplesmente colapsaram. E as perdas não devem parar por aí. Diante da indefinição das autoridades sobre o prazo de duração das medidas de distanciamento social, abre-se um novo choque, o de expectativas.
As primeiras estimativas até agora apontam para a maior queda do PIB da nossa história recente em 2020 e há sérias dúvidas sobre o processo de recuperação. As medidas que buscaram conter o avanço do coronavírus do ponto de vista da saúde não foram acompanhadas por medidas econômicas simultâneas, o que levou a várias empresas a tomarem atitudes que, posteriormente, mostraram-se não acertadas. A área econômica demorou a reagir. As primeiras medidas foram esparsas e tímidas, numa reação que parecia desconhecer a magnitude da crise que se avizinhava. Na sequência, surgiram medidas mais relevantes na área de crédito, tributária, trabalhista e de assistência social. No entanto, ainda insuficientes e, muitas delas, com operacionalização ainda em processo.
O que veremos depois desse tempo é o desemprego crescer, a renda cair, a desigualdade aumentar. É errado pensar que existe um dilema entre economia e saúde. Uma economia doente também mata muita gente, mata sonhos, mata futuro. E quando se trata de uma economia frágil como a nossa, que ainda estava ensaiando uma recuperação, esse problema é ainda maior. E para salvar uma economia doente, nossa história recente provou que os remédios andam em falta já há algum tempo.
Andrà tutto bene, só não sabemos quando nem como. Em tempos de Páscoa, rezemos (e trabalhemos) para que tempos novos (tempos melhores) venham para todos nós.
*Palermo é Doutora em Economia Aplicada e Professora da ESPM Sul